quarta-feira, 18 de julho de 2012

domingo, 15 de julho de 2012

De trilho em trilho


Trens de cores,
para estrelas
Trens das 11h,
de chegadas e partidas.
São vidas que se repetem na estação.

Na mala, saudade
abraço apertado.

Na memória,
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açaí.

Partidas sem planos.
Liberdade para ficar,
repousar sobre essa cama
Cama desta noite...


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[Encontros e Despedidas;
Trem das Cores;
De volta pro aconchego;
Um trem para as estrelas;
Trem das onze]

quarta-feira, 4 de julho de 2012

História em uma praça 15...


Era uma vez uma Menina-da-risada-estranha que morava num canto da cidade e outra menina, esta de olhos de tigre, que morava do outro lado da cidade.

A Menina-dos-olhos-de-tigre vivia num sítio bem distante da cidade. Foi criada por um domador de tigres e em meio a eles, seus amigos de infância era um casal de lindos tigres. Desde pequena aprendeu a cuidar deles, brincavam todos a rodar pela grama; brincadeiras de pouca sutileza, ou melhor, de nenhuma sutileza! Eram selvagens e seus corações eram preenchidos de toda aquela amizade. Desses tigres nasceram belos e pequeninos filhotes, com seus olhos marcantes, coisa de tigre ou de quem por eles é criado.

Noutro canto da cidade havia a Menina-da-risada-estranha, na sua vida tranquila e normal. Mas existia algo de solidão naquela pacatez. A Menina-da-risada-estranha tinha um hábito de ler ao ar livre, geralmente no quintal de sua casa, onde encontrava paz e ar para seus pensamentos voarem sobre lindas histórias de livros antigos. Num domingo de primavera, a Menina-da-risada-estranha estava realizando seu prazeroso ritual da leitura à luz do dia, era um mundo próprio seu. De repente algo ultrapassa a realidade dos sonhos e recai ao seu lado. Era uma bola de gás vermelha. Olhou pr'aquilo e admirou a sutileza daquele movimento. Menina-da-risada-estranha tem mania de gostar de coisas comuns, muitas vezes despercebidas pelos olhares alheios. Estava começando a anoitecer quando ela entrou em sua casa e foi preparar um prato tradicional de sua região, era um tal de "macarrão instantâneo".
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Tempos antes, do outro lado da cidade, a Menina-dos-olhos-de-tigre encontrava-se sob profunda tristeza. Sua amiga de infância havia deixado-a; morreu a tigresa que plantou no coração daquela jovem menina um amor para poucos. Daquele sentimento de solidão, a Menina-dos-olhos-de-tigre começou a escrever enquanto lágrimas presas desciam quase com raiva de estarem tão expostas assim. Escreveu, escreveu, escreveu. Sua dor foi expressa naquelas palavras tristes, mas com algo de alegre por ter existido toda aquela vida ao lado de sua amiga. Decidiu que as palavras naquele papel mereciam a liberdade, a mesma liberdade pela qual elas foram escritas ali. O modo que encontrou foi dobrar -diria amassar!- o papel, até que ela pode colocá-lo dentro de uma bola vermelha de gás, feito essas de festas. Soltou-a, estavam livres todas as palavras...
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Enquanto o prato típico estava quase pronto, a Menina-da-risada-estranha ouviu um estouro vindo do quintal. Foi até lá ver o que era. Percebeu que a bola havia estourado com o chão espesso. Deu uma risada de alívio, "foi só a bola" riu. Juntou os pedaços que se espalharam, até lembrar-se da comida. Apagou o fogo e, antes de comer, voltou para o quintal para terminar de juntar os pedaços. Observou que havia um papel todo amassado -é, não havia sido dobrado-; primeiro achou que tivesse esquecido aquele papel ali, mas não lembrava-se de ter feito aquilo [recorte: a Menina-da-risada-estranha tinha hábito de jogar coisas no lixo; recorte 2: essa mesma menina tinha hábito de ler coisas que achava na rua, no chão, na parede, na camisa alheia... voltemos.]. Por fim, depois de pensar que aquilo não era mesmo seu, abriu. Começou a ler aquelas palavras, foi identificando-se com todo sentimento presente ali, tão intenso de solidão. Sentiu intimidade e confortada, feito afago de um abraço. Essas palavras projetavam um espaço um tanto familiar pra Menina-da-risada-estranha. Falava de um sítio grande, tigres, uma placa no portão. Lembrou-se de um passeio que fez, ainda quando criança era um lugar verde, bonito, um moço meio senhor de idade que fazia com que bichos grandes obedecessem ele, mas sem violência, ela ficou espantada pela forma com que o moço-meio-senhor-de-idade fazia aquilo; admirou-o. Eram tigres os tais bichos grandes.

Passou a noite pensando naquilo. "Será que o balão veio de lá?", "Quem foi essa pessoa que escreveu? Era tudo tão próximo de mim", pensava.

Depois de uma noite mal dormida, Menina-da-risada-estranha resolveu pela manhã ir visitar aquele sítio de suas lembranças e, de talvez, daquele papel. Era uma segunda, feriado. Saiu bem cedo, arriscou-se nos ônibus e não deu outra: acertou o local.

Lá estavam: a placa, o mesmo portão, dessa vez bem velho, a madeira meio caída, mantida por uma corrente forte. Avistou aquele verde... É, o verde parecia ainda mais novo, estava lindo! Entrou, precisava reviver tudo aquilo. Andou poucos metros quando observou ao longe aqueles tigres de novo, alguns mais novos, ainda crianças. Havia uma pessoa ali, brincando também. Lembrou-se do senhor-moço e de como domava aqueles tigres. Dessa vez parecia tudo como uma brincadeira, ainda mais admirável aos olhos da menina estranha. A casa de madeira! Ela havia esquecido aquela casa antiga, tão linda.

Tudo aquilo, as lembranças boas vindo à tona... Sentiu-se acompanhada da saudade, não estava só. Retirou os chinelos, sentou-se no gramado e ficou admirando cada detalhe. Tirou de sua bolsa um pequeno caderno e sua caneta, ficou a representar no papel a paisagem que lhe enchia os olhos quando, ao seu lado, uma bola parou. Parecia um tanto molhada e não era água. Talvez baba daqueles felinos? É, baba dos bichanos. Olhou para frente, algo vinha em sua direção, mas o sol não lhe dava uma visão completa. Até que a tal jovem domadora-de-brincadeira-com-os-tigres chegou ao seu alcança; pode enxergá-la com tamanha nitidez que não conseguia -nem desejava- parar de olhar. Aqueles olhos! Talvez tivesse vivido tanto tempo com os tigres que seus olhos pegaram sua forma. Elas se olhavam, tão novo, tão intímo, intenso. Conheceram o passado uma da outra, projetaram o futuro uma do lado da outra, eram segundos, talvez milênios, que aqueles olhares se tocaram.

A Menina-da-risada-estranha pegou a bola ao seu lado e estendeu a mão para entregá-la à Menina-dos-olhos-de-tigre, esta pegou, virou o corpo em direção aos seus amigos e a jogou com força, voltou o corpo de frente para a menina, ainda sentada no chão. Estendeu a mão e disse: "Quer entrar, tomar um leite?". A Menina-da-risada-estranha, com seu jeito meio sem jeito e aquele cabelo desgrenhado não sabia o porquê, mas sentia que ali era seu lugar e que aquele convite era pra ela nunca mais ir embora.

Levantou-se por aquela mão estendida. As duas foram andando em direção a casa, sem saber muito bem o motivo, muito menos no que daria, mas foram. A Menina-da-risada-estranha sentou-se à mesa, olhos-de-tigre trouxe duas canecas de leite quente. As duas apreciavam o leite, o momento, as trocas de olhares. Se conheceram, se apaixonaram...
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Até hoje não se tem notícias daquelas jovens e apaixonadas moças. Uns dizem que elas foram comidas pelos tigres; outros ainda que elas envelheceram com os filhotes dos filhotes; outros que elas teriam se mudado para um sítio maior.

Há o Seu João, jornaleiro da divisa entre o campo com a cidade, que diz as vê com regularidade comprando periódicos, com seus olhos e risadas únicas.

Mas, na verdade, ninguém sabe o que se seguiu daquele portão para dentro...